A profissão mais perigosa no Brasil, nos dias de hoje, é a de humorista. Fazer humor tornou-se um grande problema, pois é necessário encontrar a dose certa entre fazer rir e não sofrer processos. Humorista deveria receber por insalubridade, adicional de periculosidade e auxílio-advocacia. Mas será que não há como se fazer humor sem sofrer tantas sanções?
O caso parece piada, mas é sério. Danilo Gentili perguntou pela internet: “quem o King-Kong pensa que é, pra entrar na cidade e pegar logo uma loira? Um jogador de futebol?” Resultado: protestos e processo sobre a alegação de racismo.
Rafinha Bastos, também CQC, afirmou: “mulher feia estuprada deveria agradecer a Deus”. Resultado: protesto de uma organização feministas acusando o comediante do CQC de ter “incentivado o estupro no país”.
Piadas de “bichinha”, como ficou imortalizado o gênero pelo grande Costinha, agora sofre ação do movimento Gay (e nem saiu a PL122…).
Sobre negros, crime inafiançável.
Piadas sobre religiões, afro ou euro descendentes, são sempre chamadas de preconceituosas.
De português, judeu ou de árabe: xenofóbicas.
Até os políticos, alvo de tantas palhaçadas, protestaram e quiseram acabar com piadas sobre a “classe” no período eleitoral.
As piadas no país, de Mazzaropi pra cá, sempre tiveram dois temas centrais: falar mal dos outros ou o uso do duplo sentido (geralmente com teor sexual). Geograficamente as piadas limitam-se aos estereótipos: baiano é preguiçoso, sergipano tem cabeça chata, carioca é vagabundo/ traficante, paulista é egocêntrico e workahlic, gaúchos são homoafetivos, amazonense é tudo índio…
No campo das profissões: enfermeiras, modelos e secretárias são “mulheres fáceis”; todo advogado é mau caráter; cabeleireiros são gays; policiais são corruptos; políticos então…
Um país de “afetados”
O humor vai precisar passar por uma reformulação em nosso país. O Brasil tornou-se um país de “afetados”. Tudo pode melindrar ou soar ofensivo aos olhos dos outros. E o humor precisa mudar ou viveremos das idiotices dos “Caras de Paus”, das repetidas palhaçadas do Didi, das piadas imbecilizadas do Louro José, dos cansados personagens da Praça é Nossa e das mulheres maravilhosamente semi-nuas e sem-graça do Zorra Total. Mas teremos ainda o auxílio luxuoso e inofensivo do Castelo Rá-Tim-Bum. Nesse ritmo, em menos de uma década, só poderemos fazer piadas sobre os animais e o reino vegetal.
Quanta babaquice! Chico Anysio, o rei do humor do Brasil, imortalizou vários personagens que hoje seriam proibidos, ou como está na moda dizer, “ofensivos”: o baiano, preguiçoso, homossexual e pai-de-santo, Painho; o velho judeu sovina, Popó; o grande político safado, Justo Veríssimo; o jovem idiota e burguês paulistano, Jovem; o alcoólatra que casou com uma mulher horrorosa, Nazareno. O gay não-assumido, Aroldo, o hétero; o Preto Véio malandro, Véio Zuza, dentro tantos outros personagens que fizeram o Brasil rir durante mais de três décadas, usando estereótipos.
Meus amigos, perdoem a sinceridade, mas num país onde um advogado afirma que o seu cliente, um assassino confesso e libertado pela justiça, não irá dar o nome do seu comparsa por “ética profissional”, querer levar os humoristas para o banco dos réus, é praticamente uma piada de humor-negro, melhor dizendo, humor-obscuro.
Os estereótipos estão aí, enraizados há décadas nas piadas brasileiras. Querer censurar o riso, será um tiro no pé. Um genial comediante disse uma vez: “tenho a impressão de que os homens estão a perder o dom de rir”. Se ele estivesse no Brasil de hoje, poderia até ser preso, por colocar para trabalhar uma menor em um dos seus filmes. Ou então, por incentivar a homossexualidade, vestindo uma menina com roupas de menino, sendo acusado pela bancada evangélica do Senado. O Brasil é mesmo o país da piada pronta, mas está ficando, cada vez mais, sem graça.
Erick Cerqueira
Nordestino, baiano, workaholic, neto de negra, bisneto de português e pra piorar, heterossexual.