Numa passagem bíblica, diante dos lapidadores de Maria de Magdala, Jesus se abaixa e começa a riscar o chão com o dedo e escreve: hipócritas. Será que hoje ele faria o mesmo?
A retomada do Complexo de Favelas do Alemão no Rio de Janeiro foi algo cinematográfico. Uma ação conjunta entre Polícias, Exército e Marinha para libertar os moradores do controle dos traficantes. Na verdade, uma resposta à ousadia dos bandidos. Cenas impressionantes foram transmitidas ao vivo por toda grande mídia. Foram incineradas 40 toneladas de drogas, mais de 300 armas de grosso calibre foram apreendidas, 200 motos recuperadas, veículos, casas de luxo foram tomadas, e ainda assim teve muita gente insatisfeita. Na internet encontramos pessoas afirmando que tudo não passou de “pão e circo” para o mundo se sentir seguro na Copa de 2014. Outros afirmaram que nada irá resolver, afinal quando a polícia sair, os traficantes voltarão, mesmo com as UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora). Jornais deram ênfase à fuga de bandidos em carros da Polícia Civil carioca.
Para o “analista político” Reinaldo Azevedo, da Veja (tinha que ser), não houve resistência porque a polícia fez acordo com traficantes. Ou seja, Lula (pra Veja é sempre ele) deve ter manipulado tudo para finalizar o mandato com um grande espetáculo pirotécnico “para inglês ver”. Mas pensemos, bandido é mal, mas não é burro. Enfrentar todo aquele aparato policial seria suicídio coletivo. Porém o que chama atenção nas manchetes é a “satanização” dos traficantes e a complacência velada com os usuários de drogas, ou melhor, dependentes químicos. Em marketing aprendemos: só há oferta se há demanda. Como a grande mídia tocou nesse assunto apenas de forma “an passant” resolvi tecer alguns comentários sobre o tema. O humorístico CQC fez uma “pesquisa” entre artistas, jornalistas e políticos para saber a opinião deles sobre a legalização das drogas e a possível existência de culpabilidade do usuário. Coincidentemente ninguém atribuiu culpa aos viciados e quase todos, exceção do Deputado Federal Jair Bolsonaro (PP/RJ), afirmaram ser contra a criminalização dos usuários. Logicamente, o nobre deputado arredio, sofreu com as vinhetinhas engraçadas do programa. O resultado da pesquisa foi tão previsível quanto às respostas do sociólogo holandês sobre a liberação da Cannabis Ativas. Se a intenção era fazer uma matéria séria, no Documento da Semana, não convenceu. Passou apenas como mais uma piada sem graça do CQC. Foi como perguntar a um alcoólatra se a cachaça faz mal. Sugiro entrevistarem o Marcelo Anthony, o Gabeira, o Otto ou a Maria Alice Vergueiros para termos uma visão mais abrangente e imparcial sobre o assunto da próxima vez, que tal?
O Rio pede Paz
Enquanto a mídia faz piada com o assunto, a indústria das drogas chegou ao ponto de produzir embalagens plásticas, com o peso impresso no plástico, para o cliente “cheirar o pó” sem a necessidade de fazer as “carreirinhas” (em marketing: adequação do produto às necessidades do público-alvo). Rótulos foram apreendidos, também, ou seja, as drogas deixaram de ser commodities. Milhões de reais em armas e drogas foram encontrados. Lembrando: se há oferta é porque existe procura.
Para a mídia, a violência nos morros é fruto da inoperância da polícia corrupta do Rio e do Estado Brasileiro que não dá educação de qualidade às comunidades carentes das favelas. É isso que justifica o poder e o dinheiro dos narcotraficantes. O resto é hipocrisia de “caretas”, como eu, que não entendem a necessidade da descriminalização das drogas e das passeatas da maconha organizadas pelos artistas, intelectuais e universitários, de classe média alta, no país inteiro. O usuário, coitado, não tem culpa de nada. Afinal, dar um “tapa na pantera” não vicia ninguém. Cheirar uma “carreirinha” (agora um tubinho) nas festas chiques, é chique. E festejamos, em filme, a vida-louca do dependente químico, Cazuza. Sorrimos para a “maconha inocente” fumada pela jornalista, no filme Cidade de Deus. Tudo é normal. E consumo nada tem a ver com o tráfico de armas e drogas da periferia carioca. Depois é só chamar o Coronel Nascimento, invadir o “alemão” e pronto.
De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas 2010, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), o Brasil é líder na triste estatística do número de usuários de cocaína na América do Sul. São impressionantes 890 mil usuários. Ainda de acordo com a Unodc, o país é o 8º no ranking mundial na apreensão da maconha, com aproximadamente 3% da erva apreendida no planeta. Somos o 6º país em consumo no mundo, com 8,8% de brasileiros que “apertam, mas não vão acender agora”. A maconha é a 11ª droga mais perigosa do mundo, afirma documentário da BBC sobre o assunto. Em termos de drogas injetáveis, só perdemos pra China, EUA e Rússia. Ou seja, o Brasil está mal e o Rio pede Paz, mas ainda escreve com cocaína as letras brancas da palavra.
A sociedade pede o fim do tráfico, mas parte dela fica preocupada e se perguntando: onde irão encontrar o produto para consumo depois da Invasão do Alemão? Produção de subsistência? Será? Bem, Jesus, os tempos mudaram. Hoje o Senhor seria apedrejado junto, e ainda seria acusado de ser Você, o hipócrita. Usuário aqui,é vítima. Afinal, a culpa das drogas é do Governo, pela falta de investimento em educação de qualidade. É o que afirmam os sociólogos, universitários e as classes artísticas e jornalísticas do nosso país, depois de darem o seu “tapinha” na erva, é claro. Pronto, falei, agora estou aberto às pedradas. Se bem que a maconha enfraquece a coordenação motora de quem usa. Dificilmente serei acertado… Kaya, Não e Forever Loving Jah.
Brincando com as drogas
Colocando o dedo na ferida
Publicado no Observatório da Imprensa